1- Fale um pouco sobre sua formação, trajetória e atuação no Ensino de Matemática.
Decidi ser professor quando estava no 2º ano do ensino médio e considero que essa foi uma das decisões mais importantes de minha vida, pois não consigo me imaginar fazendo outra coisa. Mas nossas decisões não são simples resultado de nossa vontade, são também consequência de nossa história. Com excelentes professores na educação básica, mãe e tias todas professoras, não me faltaram exemplos para seguir. Não à toa, desde a 6ª série do ensino fundamental comecei a trazer colegas para estudar em casa, prática que virou rotina até o fim do ensino médio.
Minha educação básica foi toda dentro de um modelo tradicional de ensino, em instituições privadas, e deu muito certo pra mim. Apesar disso, defendo a escola pública e penso que muitas práticas tradicionais de ensino precisam ser superadas. Sobre o ensino tradicional, penso que o fato de ter funcionado comigo não implica que funcione para a maioria das pessoas. Quanto a defesa da escola pública, e gratuita, vem da compreensão de educar é dar oportunidade e todos devem ter as mesmas oportunidades, não apenas quem pode pagar. Eu tive oportunidade de fazer minha escolha e escolhi ser professor. Não quero que a oportunidade que tive seja negada a outros. Negar educação a alguém é limitar seus sonhos, quero ajudar outras pessoas a sonharem, a verem que o campo de possibilidades que lhes é apresentado nem sempre representa tudo o que realmente está à disposição delas.
A opção pela matemática veio depois da decisão pela docência. A Matemática era uma paixão pessoal e é bom ensinar sobre aquilo que se gosta. Fiz o curso de licenciatura na Universidade do Estado do Pará (Uepa). Foi na universidade que entrei em contato com as ideias de Paulo Freire e me identifiquei bastante com elas, mas daí a coloca-las em prática, há um grande abismo que ainda venho tentando transpor, mas acho que estou, aos poucos conseguindo.
Dois anos depois de formado tive a oportunidade de me tornar professor efetivo da escola pública estadual. No começo, era um professor de matemática bem tradicional, mas com o tempo fui percebendo que essa postura não estava contribuindo para que os alunos aprendessem. Aos poucos fui modificando minhas práticas, encontrando meu caminho como professor. Cometi, e ainda cometo muitos equívocos, mas todos os erros foram ou são na tentativa de acertar.
Em 2011, entrei no mestrado e o PROFMAT mudou completamente a minha vida. Mas vou deixar para falar mais sobre isso nas próximas perguntas.
2- Como você vê a importância da atuação da ANPMat no atual cenário?
A ANPMat é a Associação Nacional dos Professores de Matemática da Educação Básica. Logo, em seu nome carrega a missão de congregar os professores de matemática de todo país em uma imensa rede colaborativa. Mais do que nunca precisamos nos conhecer, compartilhar nossas experiências, saber o que está dando certo e o que não está funcionando. A pandemia criou um cenário no qual o ensino remoto se faz necessário, e com ele a demanda pela apropriação por ferramentas tecnológicas pelos professores. Colaborar com este processo de formação dos docentes é uma parte importante da missão da ANPMat, a qual esta vem buscando realizar através da realização dos Simpósios, de lives e de publicações.
3- Na sua opinião, o que podemos fazer para melhorar o ensino de Matemática na Educação Básica do Brasil?
Essa é uma questão complexa, pois depende de muitas variáveis. Melhorar a qualidade do ensino de matemática na educação básica perpassa pela melhoria do sistema educacional como um todo. Necessitamos de políticas públicas voltadas para educação que melhorem as condições estruturais de trabalho nas escolas, esse é um primeiro passo importantíssimo e que depende de vontade política e sabemos que, infelizmente, nossos governantes não costumam colocar educação como prioridade. E aí não basta colocar dinheiro na educação, é preciso garantir que esse dinheiro chegue nas escolas e que seja utilizado com o objetivo de melhorar a qualidade da educação oferecida nesses espaços de formação. Esse é o primeiro ponto, e não pode ser ignorado.
Uma outra questão central é a forma como o sistema de ensino está estruturado, a meu ver, o modelo disciplinar, no qual as diferentes áreas não se comunicam, é uma razão importante para os problemas enfrentados com o ensino de matemática. Assim, como podemos ver, o problema do ensino de matemática vai muito além da alçada do professor de matemática. O objetivo do ensino não pode ser simplesmente preparar os alunos para o ano seguinte, reproduzindo um modelo de formação punitiva e que visa o controle dos indivíduos.
Finalmente, temos a importantíssima questão da formação do professor de matemática, que é onde nós da ANPMat temos maiores chances de colaborar. Nesse aspecto, um trabalho importante já vem sendo feito por meio dos Simpósios da Formação do Professor de Matemática, reunindo professores para discutirem sobre suas práticas.
No sentido de tentar não deixar a pergunta sem resposta, penso que precisamos criar mais espaços para debater questões como “qual a finalidade daquilo que ensino?” ou “como o aluno aprende?”. A meu ver, o problema do ensino de matemática vai além de um despreparo no que diz respeito ao domínio de conteúdos matemáticos em si. O problema começa com o desconhecimento de metodologias para o ensino desses conteúdos, é verdade, mas vai muito além disso, esbarra nas próprias concepções de ensino que nós, professores de matemática carregamos conosco. E eu não digo isso pensando nos colegas professores, falo isso começando por mim mesmo. Precisamos sair do “modo automático” e começar a refletir sobre nossas práticas docentes.
Precisamos ter em mente que não se trata apenas de melhorar o ensino de matemática, o professor de matemática não está e não pode trabalhar isolado, pensando apenas em seu nicho, trata-se de melhorar o ensino como um todo. Precisamos pensar em conjunto com os colegas de outras áreas do conhecimento sobre que tipo de pessoa desejamos formar, meros reprodutores e defensores do modelo injusto de sociedade que temos vivenciado ou cidadãos dispostos a agir sobre essa realidade para transformá-la? Penso que é urgente nos fazermos a pergunta: “o que estamos ensinando e a forma como estamos ensinando têm contribuído em qual dessas direções?”.
4- Como foi a sua experiência com o PROFMAT? O que mudou na sua vida com o PROFMAT?
Como disse antes, o PROFMAT mudou completamente a minha vida. A possibilidade de fazer o mestrado permitiu que mais tarde eu me torna-se professor da universidade. Hoje eu atuo como professor do curso de licenciatura integrada em matemática e física da Universidade Federal do Oeste do Pará, a Ufopa, mas, logo que me formei, tive o privilégio de ser um dos egressos do programa sorteado para realizar um curso de Didática da Matemática em Paris. Passei quatro semanas naquele belíssimo lugar, convivendo com outros 25 professores, também egressos do PROFMAT, das mais diversas regiões do país. Até hoje muitos de nós mantemos contato e essa rede de contatos que foi criada lá é importantíssima. Foi por causa deles que comecei a participar dos Simpósios e foi daí que veio meu envolvimento com a ANPMat. Então posso afirmar que, se hoje faço parte da ANPMat, é graças ao PROFMAT.
Mas minha relação com o PROFMAT não termina por aí. Já na universidade, comecei a atuar como professor assistente e depois efetivo dentro do programa. Já fui vice-coordenador do programa na Ufopa e hoje faço parte da comissão nacional de avaliação dos discentes do programa.
Resumindo, apesar de todo conhecimento construído durante os dois anos de curso, avalio que a principal marca que o PROFMAT deixou em minha vida foi essa rede de contatos maravilhosa que foi criada, desde os colegas e professores do curso, até os colegas professores que passei a conhecer dos mais diversos cantos do país. Todos os dias aprendo muito com eles.
5- Como está sendo a sua experiência com as aulas e atividades on-line? Alguma dica que considera interessante para o ensino remoto?
Minha experiência com o ensino remoto está sendo melhor do que o que eu esperava. Minha preocupação é com aqueles alunos que, por uma razão ou por outra, acabam excluídos desse processo. Muitos alunos não conseguem ter acesso a uma conexão de qualidade e acabam prejudicados. O processo de exclusão acaba se intensificando com o ensino remoto. Atualmente, por exemplo, estou trabalhando remotamente o conteúdo de Geometria Espacial com uma turma em que um dos alunos é cego. Tem sido um desafio. O que fiz para tentar contornar o problema foi levar até a casa dele algumas peças em acrílico disponíveis em um dos laboratórios da universidade, para que ele pudesse manipulá-las enquanto os conceitos são trabalhados à distância. Mesmo assim, não consigo deixar de pensar que poderia auxiliá-lo de maneira muito melhor se não fosse necessário manter o isolamento.
Para mim, a transição foi menos dura do que imagino que tenha sido para muitos colegas, pois, ainda quando estava atuando de forma presencial, já vinha me servindo de estratégias como uso de ambientes virtuais de aprendizagem para tentar ampliar as possibilidades de interação ou de softwares como o GeoGebra para desenvolver atividades com os alunos. Mas acho que o que tornou essa transição ainda menos dolorosa foi o fato de que meus paradigmas sobre os processos de ensino-aprendizagem e de avaliação sofreram muitas transformações antes de entrarmos na pandemia.
Imagino que o ensino remoto tenha sido muito doloroso para professores que ainda enxergavam o processo de avaliação dentro de uma perspectiva de controle e atribuição de notas a partir da realização de provas. Afinal, como fiscalizar o aluno nesse contexto de aulas remotas? Como se certificar se não estão colando? Se são eles mesmos que estão realizando os trabalhos?
Vejam que a solução para essas perguntas não está em criar mecanismos tecnológicos de fiscalização e controle dos alunos, mas em uma mudança de concepção da parte do professor, que precisa ser capaz de perceber que o processo de avaliação não tem um fim em si mesmo, mas visa responder à pergunta “o aluno está aprendendo?” com a finalidade de garantir que essa aprendizagem ocorra por meio de mudanças nos métodos de ensino-aprendizagem adotados e não com o intuito de produzir uma nota que não implicará em qualquer mudança nas estratégias de ensino utilizadas pelo professor.
Reduzir os processos de exclusão criados pelo acesso desigual que as pessoas têm à tecnologia depende de uma vontade governamental que não temos visto, e exige organização, articulação e luta por parte da sociedade. Isso leva tempo, mas precisa ser feito. Entretanto, minha dica para estes tempos de ensino remoto é que mais do que nos apropriarmos da tecnologia disponível para reproduzir um modelo tradicional de ensino que já se provou ineficaz em muitos aspectos, possamos nos agarrar a este momento em que estamos aprendendo tantas coisas diferentes para realmente promovermos um ensino diferente, no sentido de migrarmos de um modelo meramente reprodutor para um transformador da realidade.