Entrevista com o prof. Elion da Silva, egresso do PROFMAT aprovado no doutorado da UFRJ

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1) Nos conte um pouco da sua trajetória profissional, acadêmica e intelectual.

Eu venho de uma família pobre, de Jucás (pequena cidade do interior do Ceará), com recursos financeiros muito limitados. Eu via o quanto meu pai se matava de trabalhar pra nos sustentar e não nos deixar faltar o que comer, numa família com cinco filhos. Então, desde tenra idade eu internalizei que a única chance de eu, pobre, de família humilde, crescer na vida (social e financeiramente), era através dos estudos. Mesmo não sendo um exímio estudante no ensino fundamental, em termos de dedicação, eu sempre tive foco! Eu sabia que eu teria que fazer uma faculdade e conseguir um emprego que me desse uma boa estabilidade financeira. O apoio de meus pais e irmãos foi crucial nesta empreitada, tanto que foram meus irmãos mais velhos e minha mãe que me alfabetizaram! Quando eu era aluno do ensino médio eu tinha um sonho: Ser professor de matemática! E esse sonho começou a se realizar no ano seguinte à minha conclusão do ensino médio. Fui contratado pela minha antiga escola como professor temporário, ainda antes mesmo de entrar na faculdade. Essa experiência, que durou poucos meses, foi suficiente para eu ter plena convicção de que era mesmo isso que eu queria fazer da vida. No ano de 2005 entrei no Curso de Licenciatura Plena em Matemática da FECLI (Faculdade de Educação, Ciências e Letras de Iguatu) da UECE (Universidade Estadual do Ceará) e no mesmo ano comecei, pra valer, minha carreira, lecionando em escolas particulares e cursinhos pré-vestibulares. Devido a greves e ao fato de o curso ser diurno, muitas vezes chocando com meus horários de trabalho, só concluí a graduação no final de 2010. Em 2011 me tornei professor do IFCE (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará) Campus Iguatu, onde trabalho até hoje. Ainda em 2011 ingressei no Mestrado Profissional em Matemática em Rede Nacional (PROFMAT), no polo da UECE de Limoeiro do Norte-CE, vindo a concluir em 2013. No IFCE – Campus Iguatu trabalho com turmas do Ensino Médio Integrado (cursos de Nutrição e Dietética, Agropecuária e Agroindústria) e também com as disciplinas de Cálculo I e Cálculo II na Licenciatura em Química. Ao longo desses mais de 10 anos de carreira já tive a oportunidade de trabalhar com matemática em turmas do ensino fundamental I, ensino fundamental II, ensino médio, graduação, pós-graduação e formação continuada de professores. Sou muito feliz profissionalmente e me sinto realizado, pois faço o gosto de fazer!

2) Você é egresso da primeira turma do PROFMAT. Por que decidiu cursá-lo e como isso mudou sua vida?

Uma vez que eu já estava inserido na profissão dos meus sonhos, fazendo o que eu gosto, meu segundo objetivo era (e é) me aperfeiçoar cada vez mais e contribuir cada vez mais para a educação do meu país e para o ensino da matemática. Desse modo, comecei a vislumbrar voos mais altos: A pós-graduação. Foi quando descobri o PROFMAT, que estava abrindo seu primeiro edital. Imediatamente procurei saber qual era o polo mais próximo da minha cidade e não pensei duas vezes: Inscrevi-me! Eram mais de 90 candidatos para apenas 5 vagas no polo de Limoeiro do Norte. Fui aprovado, e as aulas iniciaram em abril de 2011, com aulas presenciais todos os sábados. Foi um período cansativo, pois a cidade onde resido (Iguatu) fica a 250 km de Limoeiro do Norte. Mas deu tudo certo, e no dia 12 de março de 2013 foi a defesa da minha dissertação. O curso me deu mais maturidade e conhecimento, agregando com as vivências e trocas de experiências com os demais colegas de polo e também através dos fóruns na plataforma virtual, contribuindo significativamente para minha formação e na construção e ressignificação dos saberes matemáticos.

 3) Em 2013, você passou um mês na França, com mais 25 egressos do PROFMAT,  fazendo um estágio no Centre International d’Études Pédagogiques (CIEP) em um programa desenvolvido pela Capes. Conte-nos sobre essa experiência.

Na disciplina de TCC, em janeiro de 2013, que foi ministrada na UECE de Fortaleza, nosso coordenador local do PROFMAT, Professor Guilherme Ellery (a quem devoto um respeito, uma admiração e uma gratidão gigantes) nos informou que a CAPES estaria enviando 26 professores de matemática do ensino básico para um curso de desenvolvimento profissional na França, e que os mesmos seriam selecionados dentro das primeiras turmas do PROFMAT. Ele informou que iria indicar o aluno que tivesse melhor desempenho acadêmico através da média geral das notas em todas as disciplinas. Sendo assim meu nome foi enviado para a SBM que, através de sorteio entre os indicados de cada polo, selecionou os 26. Sorte minha, fui contemplado! Chegamos a Paris em meados de abril e retornamos em meados de maio. Destaco três pontos:

(1) O curso em si foi excelente, pois pudemos ter um primeiro contato com pesquisas em Didática da Matemática, nas melhores formas de se trabalhar determinados conteúdos matemáticos em sala de aula; tivemos aulas com pesquisadores renomados como Fabrice Vandebrouck, Jacques Douaire e Michèle Artigue (vencedora da medalha Felix Klein de 2013);

(2) A experiência cultural também foi louvável. Conhecer outro país, outra cultura, outro estilo de vida, outro idioma, pontos turísticos, conhecer a realidade da educação francesa e do ensino da matemática na França;

(3) Conhecer e trocar experiências com professores de matemática dos quatro cantos do Brasilfoi o melhor de tudo. Ainda hoje mantemos contato por e-mail, temos grupos no facebook e whatsapp, sempre nos reencontramos nos eventos da SBM, da ANPMat ou da SBEM. Pra mim esse terceiro ponto acaba por ser o mais importante. Nós, de fato, integramos hoje uma rede de amigos/colegas professores de matemática que cooperam, se interagem, aprendem e ensinam. Isso tudo é muito enriquecedor e motivador. Sinto-me muito honrado em tê-los como amigos e parceiros.

4) Você foi aprovado em 1° lugar para o doutorado em Ensino e História da Matemática e da Física do PEMAT da UFRJ, na linha de pesquisa de Ensino de Matemática. Por que decidiu tentar uma vaga no doutorado?

Indubitavelmente, uma das coisas que normalmente se passa na mente de alguém que termina um mestrado é a possibilidade de ingressar num doutorado. Não existe ainda um doutorado na mesma linha do PROFMAT, obrigando seus egressos a migrarem para outros programas. Busquei investigar qual programa ou linha de pesquisa eu tinha mais afinidade, especialmente em termos de identificação com o trabalho de professor do ensino básico e/ou possiblidade de ingressar e pesquisar em alto nível (o nível a que um doutorado exige). No início de 2015 fiquei sabendo que o PEMAT (Programa de Pós-Graduação em Ensino de Matemática) da UFRJ estava abrindo vagas para a primeira turma de Doutorado em Ensino e História da Matemática e da Física. Lendo o edital, vi que algumas vagas eram para a linha de pesquisa de Ensino de Matemática, e percebi que tudo aquilo tinha muito a ver com os problemas e tensões presentes no dia a dia da sala de aula, especialmente no que tange aos saberes matemáticos na (e para a) prática docente. Isso me cativou bastante e me deixou interessado. Decidi não me inscrever na seleção da primeira turma, pois já estava muito próximo das provas e eu não me achei preparado naquele momento. Em setembro abriu edital para a segunda turma, inscrevi-me, preparei-me, passei nas etapas e, na média final, acabei sendo aprovado em 1º lugar. A colocação é apenas um detalhe, haja vista que as notas ficaram muito próximas umas das outras e eram apenas quatro vagas. Todos os aprovados são igualmente competentes e têm todo o mérito pela aprovação.

5) Como foi a preparação para o processo seletivo? Qual foi seu maior desafio?

A seleção era composta de 5 etapas: (1) Exame de Proficiência em dois idiomas (sendo um obrigatoriamente inglês e o segundo deveria ser escolhido entre espanhol, alemão ou francês, e eu optei por espanhol); (2) Exame de Conteúdo Específico de acordo com a linha de pesquisa optada pelo candidato (existe uma bibliografia de referência disponibilizada no edital); (3) Avaliação de Pré-projeto de Pesquisa; (4) Exame Oral e (5) Avaliação do Currículo Lattes.

De início, só em ler que são cinco etapas já parece desmotivador, especialmente pra quem não fez um mestrado na área (como eu). Mas quando você começa a se preparar intensivamente, percebe que as quatro primeiras etapas estão interligadas.

Comecei lendo os textos de referência (presentes no edital); Estes textos são muito ricos e agregam muito conhecimento acerca do panorama de pesquisas na área. Como a maioria dos textos é em inglês, essa leitura já serve também de base para se preparar para a etapa 1, ao passo que podem servir de aporte teórico para balizar o Pré-projeto de pesquisa. Quando terminei de fazer a primeira leitura de todos os textos de referência, comecei a trabalhar no pré-projeto. Escolhi investigar sobre Os saberes matemáticos do professor com vistas ao ensino médio integrado, que é a modalidade de ensino mais presente no campus do IFCE de Iguatu, onde trabalho bem como nas bastantes escolas profissionais da Rede Estadual Cearense. O Exame Oral (etapa 4) é baseado no que o candidato escreveu no seu pré-projeto que, a essa altura, já estará aprovado. Foram vários meses de total entrega e dedicação, praticamente sem vida social, abdicando de lazer e da companhia maravilhosa de minha esposa e filhas, para me preparar para essa seleção.

6) Quais são suas expectativas com o curso?

São as melhores possíveis! O PEMAT da UFRJ é reconhecidamente um centro de excelência nacional de pesquisas em ensino de matemática, atualmente coordenado pelo Professor Victor Giraldo. Eu terei como orientadora a Professora Ana Teresa de Oliveira. Trabalhar diretamente com pesquisadores tão brilhantes é sem dúvida uma honra e um grande desafio, uma vez que estou ciente de que há também uma confiança e uma expectativa deles em relação a mim e ao meu desempenho nessa tarefa de me tornar um pesquisador na área de ensino de matemática. Em março eu chego à cidade maravilhosa onde irei fixar residência por (pelo menos) dois anos. Estou muito otimista nessa busca incessante de me aperfeiçoar, de aprender mais e contribuir de modo ainda mais eficaz para o ensino da matemática e para a formação de nossos professores do ensino básico.