Antônio Cardoso do Amaral, de Cocal dos Alves (PI)

Fonte: Site da OBMEP

Números nunca foram a paixão do piauiense Antônio Cardoso do Amaral, de 34 anos. Na escola, seu coração batia mais forte por ciências e língua portuguesa. Mas, no raciocínio lógico, ele sempre foi craque. Tanto que, na hora de decidir que carreira seguir, deixou de lado o coração e se valeu de uma fórmula simples: mais demanda = mais oportunidades de trabalho. E foi assim que o jovem foi estudar matemática. Antes mesmo de se formar, já dava aulas. O resultado? Bem, Cocal dos Alves, um lugarejo de cerca de seis mil habitantes, no sertão do Piauí, é a prova real de que, às vezes, o amor demora a acontecer. Mas quando acontece… a cidade acumula 172 premiações na OBMEP. São 101 menções honrosas, 44 medalhas de bronze, 13 medalhas de prata, 14 de medalhas de ouro, conquistadas por 87 alunos. Um resultado impressionante para um município cujo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é um dos 50 mais baixos do país e onde cerca de 95% da população vivem do Bolsa-Família.

– Estamos ganhando essa luta com exemplos. Hoje, todos os alunos de Cocal dos Alves que fazem o Enem passam para a Universidade Federal do Piauí. Todos, sem exceção. Tenho jovens cursando medicina, engenharia, nutrição, matemática. Alguns estão no Ciência sem Fronteiras. Sem a OBMEP, isso seria impensável – afirma Antônio, professor da Unidade Escolar Augustinho Brandão.

A própria trajetória do professor beira o impensável. Os pais são analfabetos. Ou quase. “Minha mãe lê um pouquinho”, diz ele. A família morava na zona rural, quando Cocal dos Alves ainda era distrito de Cocal. Escola, só até a 4ª série do Ensino Fundamental e, mesmo assim, em turmas multisseriadas. Chegar ao Ensino Médio seria um “esforço gigantesco”. Mas o pai arrumou um emprego numa serralheria e, ajeitando daqui e dali, Antônio foi estudar num colégio filantrópico. Quem podia pagava a taxa de manutenção. E o menino conseguiu se formar e sonhar com a universidade. Na Parnaíba, onde ficava o campus mais próximo da Federal, as opções eram pedagogia, matemática e educação física.

– Escolhi matemática porque sabia que havia carência de professores. Mas entrei na universidade sem base alguma – conta Antônio.

Embora dar aulas não fosse seu objetivo, Antônio enxergou a oportunidade. Formado e de volta à Cocal dos Alves, descobriu a OBMEP. Ali, finalmente, encontrava uma razão para mudar a sua vida e a de seus alunos.

– A OBMEP salvou a minha vida como professor. Sem ela, eu teria desistido da sala de aula. Não conseguia entender como um aluno é diferente do outro e fazia uma cobrança excessiva, sem contrapartida alguma para os estudantes – admite o professor. – Com a olimpíada, percebi como a matemática é bonita, bem feita. Ali, realmente, eu me encantei com a disciplina. Talvez, já tivesse algum jeito para os números na infância, mas faltou incentivo.

Na época, Antônio cogitou prestar concurso público para algum banco e fazer carreira em um caixa ou escritório. Agora, do outro lado do balcão, o professor se esmera em estimular a garotada. Ele gosta de trabalhar com os “bem novinhos”, ou seja, os do 6º ano do Ensino Fundamental, para despertar o interesse pela matéria desde cedo. E sem grandes arroubos. Antônio faz questão de dizer que não inventa a roda em sala de aula: apenas mostra a importância que a disciplina tem no cotidiano – e como ela pode ser transformadora na vida de um jovem.

– Não tem segredo, nem técnica de ensino mirabolante. As crianças entendem que, se querem ter um futuro diferente, só têm uma possibilidade: estudar.

E não só matemática. Os alunos da escola fazem todas as olimpíadas que aparecem pela frente, sempre com bons resultados. Foi da Augustinho Brandão que saiu Izael Francisco de Araújo, campeão do “Soletrando”, o quadro do programa “Caldeirão do Huck”, em 2011. Hoje, o rapaz estuda medicina na Universidade Estadual do Piauí.

– Hoje, os alunos de Cocal dos Alves fazem olimpíada de química, de física, de robótica, de português, do que aparece. A disciplina para estudar matemática se reflete no ensino como um todo. Nossos resultados na Prova Brasil são surpreendentes – orgulha-se o professor.

Para cada aluno, o exemplo pode estar na carteira ao lado. Antônio adora contar histórias como a de João Francisco Rocha Filho, um aluno acima da média, de origem muito humilde, que sonhava em estudar Engenharia Civil, mas sequer tinha luz em casa.

– A família só teve energia quando chegou aqui o projeto Luz para Todos – conta o professor. – Mas o Antônio estudou e acreditou. Hoje, faz engenharia na Universidade Estadual do Piauí. Ver um menino como ele na faculdade é o melhor prêmio que um professor pode querer.

Pensando assim, Antônio é premiadíssimo. Em 2005, quando participou pela primeira vez da OBMEP, ele emplacou 25 classificados na fase final – levou 17 prêmios, entre medalhas e menções honrosas. Animado com o resultado, passou a se dedicar ainda mais e a acumular conquistas olímpicas.

– É tudo muito simples. O professor precisa tentar conhecer ao máximo cada aluno para extrair dele o melhor. Quando estabelecemos essa relação, o processo flui naturalmente.

Apesar da pouca idade, Antônio já é pai de gêmeos, de 12 anos, ambos excelentes alunos de matemática. E que ninguém se engane: a jovialidade, o carinho com os jovens e o jeito informal de dar aulas não se confundem com liberalismo.

– Sou rígido com eles. Disciplina é fundamental e eles precisam entender que será assim pela vida toda. Mas não trato como imposição. Faço a garotada compreender que cobranças fazem sentido e que a hora de errar é na escola. Depois, o mundo toma outro caminho e eles não terão mais os professores para passar a mão na cabeça – diz o professor.

Até lá, porém, os meninos de Cocal dos Alves contam com alguns privilégios dignos das boas escolas particulares da capital. Têm dois laboratórios, biblioteca, quadra, transporte escolar, três refeições e uniforme completo, em horário integral. Estão entre os três melhores colégios estaduais no Enem. E disputam fervorosamente as medalhas da OBMEP afim de garantir a sonhada vaga no Programa de Iniciação Científica Jr. (PIC).

– Na nossa cidade, os R$ 100 da bolsa do PIC fazem muita diferença. Para muitos, será a fronteira entre passar a vida na roça ou conquistar um futuro melhor – compara Antônio.

Por falar em futuro, a expectativa do professor para a Obmep 2014 é elevada. Ele competiu com 20 alunos. Dos quatro do nível 1, espera um ouro, uma prata, um bronze e uma menção honrosa. Dos quatro do nível 2, aposta em uma prata, um bronze e duas menções honrosas. E dos 12 do nível 3, calcula três ouros, duas pratas, três bronzes e quatro menções honrosas. Se alcançar esse feito, provavelmente, irá para o topo das escolas mais premiadas do país.

– Não é apenas sonho: trabalhamos duro para isso. E estamos com uma turma excelente – observa Antônio.

O mestre de Cocal dos Alves também sonha com a possibilidade de seus ex-alunos e alunos devolverem à cidade em particular – ou, quem sabe, ao Piauí e ao Brasil – a oportunidade que lhe foi e está sendo dada:

– Seria ótimo se alguns resolvessem ser políticos, porque eles sabem o verdadeiro valor da educação e trabalhariam para melhorar o ensino no país

Antônio, porém, nem pensa em uma carreira política. Lógico que o prestígio da escola atrai olhares, mas a intenção dele é outra:

– Meu negócio é dar aula. É só o que sei fazer.

E muito bem.

DA LAVOURA PARA A UNIVERSIDADE

Se uma única palavra servisse para representar o sucesso na OBMEP dos alunos da Unidade Escolar Augustinho Brandão provavelmente seria superação. Não é para menos. Nascidos em um dos municípios mais pobres do Piauí, muitos na zona rural, o horizonte deles parecia limitado a, ao entrar na idade adulta, tomar um ônibus rumo ao Rio ou a São Paulo, em busca de um emprego em casa de família ou na construção civil. Mas a matemática somou novas possibilidades a esse cotidiano. E, contrariando um dos princípios básicos das ciências exatas, neste caso, a soma dos fatores alterou sim o produto.

– Se não fosse a OBMEP, eu teria estudado até o 7º ano do Ensino Fundamental e viajado para arrumar trabalho em um grande centro urbano, como fizeram tantos parentes, amigos e conhecidos – observa Jean Carlos Souza de Brito, de 20 anos, que conclui, este ano, o Ensino Médio na Augustinho Brandão.

Filho de lavradores e morador de um povoado chamado Chafariz, Jean Carlos já tem cinco medalhas olímpicas: duas pratas, dois bronzes e um ouro. Antes da matemática, trabalhava de manhã e ia para a escola à tarde. Agora, como ganhou bolsa de iniciação científica, pode se dedicar integralmente aos estudos.

– Sempre gostei de matemática, mas não sabia que tinha potencial. Foi o professor Antônio Amaral que enxergou essa habilidade em mim. Minha vida mudou – orgulha-se o rapaz.

Para Sandoel de Brito Vieira, o talento para os números não apenas abriu novas possibilidades como lhe garantiu uma vaga na Universidade Federal do Piauí, justamente na faculdade de Matemática. Filho de um trabalhador autônomo e uma dona de casa, ele tem uma menção honrosa, dois bronzes e três ouros na OBMEP.

– Antes de começar a disputar as olimpíadas, eu tratava a matemática como outra matéria qualquer. Mas o professor Amaral tratava o assunto quase como uma brincadeira e não como mais um enfadonha disciplina da grade escolar – lembra Sandoel. – Os encontros de estudo na casa dele eram bem espontâneos, o que tirava o peso da obrigação das nossas costas. Curiosamente, foi isso que fez com que essas reuniões se tornassem tão produtivas e rendessem tanto sucesso na OBMEP. Hoje, somos amigos do professor e não apenas ex-alunos.

Sandoel seguiu na matemática, mas Marilene Magalhães de Brito, de 22 anos, preferiu Nutrição. Também é aluna da Federal do Piauí. Na OBMEP, a filha de agricultores hoje aposentados conquistou uma prata e dois bronzes.

– A olimpíada mudou a minha forma de acreditar no futuro: entendi que é possível conseguir o que se deseja estudando. Sem falar que foi uma contribuição enorme no meu crescimento acadêmico e pessoal. Estudei com o Antônio no 3º ano do Ensino Fundamental e, depois, do 6º ano até o 3º do Ensino Médio. Ele sempre foi um grande incentivador.

O futuro engenheiro Fernando Vieira, também aluno da UFPI, é outro que só guarda boas recordações dos tempos de escola. Participou das seis primeiras edições da OBMEP e levou três bronzes, duas pratas e um ouro. Mas, curiosamente, lá no comecinho, ele nem era assim tão fã do professor Amaral.

– No início, nossa relação era mais de professor e aluno, mas com o tempo, foi mudando. E, hoje, somos amigos bem próximos. Ele foi quase um pai para mim. Eu era bom com números, mas só despontei mesmo com as olimpíadas. Tudo que tenho na vida devo à OBMEP e ao professor Amaral – afirma o jovem.

O futuro matemático Francimar de Brito Vieira, de 18 anos, concorda plenamente. Filho de uma dona de casa e do dono de uma pequena metalúrgica, ele começou a participar das olimpíadas em 2007. De cara, ganhou uma menção honrosa. Animado com a conquista, redobrou os estudos e foi acumulando medalhas: bronze em 2008 e 2009, prata em 2010, novo bronze em 2011, até o sonhado ouro, no ano passado.

– A OBMEP me fez acordar para a vida. Eu não tinha o objetivo de, um dia, ingressar na universidade. Mas, depois da primeira olimpíada, vi que a coisa era boa para mim e comecei a me dedicar mais aos estudos. Depois, vieram as premiações, que me permitiram participar de programas de Iniciação Científica e receber bolsas de estudos – conta Francimar. – Minha mente se abriu para novas ideias e percebi que o meu futuro estava nos estudos. E nada disso seria possível sem o professor. Não importava se era dia letivo, sábado ou domingo – sempre que podia, ele marcava aula com quem ia participar da segunda fase da olimpíada.

O empenho do professor também ajudou a pavimentar o caminho de Rodolfo Vieira Fontenele, de 19 anos, que cursa medicina na UFPI. Filho de uma dona de casa e um pedreiro, ele guarda com carinho as quatro medalhas de bronze, uma de prata e uma de ouro conquistadas na OBMEP. Rodolfo confessa que, no começo, nem tinha assim tanta afinidade com a matemática, e que foi com o tempo que ele descobriu “o quão mágico” poderia ser trabalhar com os números. E, a partir daí, seu desempenho geral nos estudos mudou.

– A experiência com o estudo intensivo da matemática, em um processo constante de desenvolvimento do raciocínio lógico, foi fator decisivo para eu conseguir por si só me preparar para os vestibulares – explica Rodolfo. – Tenho consciência de que, se não fossem aquelas horinhas especiais de estudo que destinei desde a minha 6ª série do Ensino Fundamental para as provas da OBMEP, muito possivelmente eu não teria chegado onde estou hoje.

Para Rodolfo, os resultados de Cocal dos Alves podem ser comparados a uma oficina de artesanato, onde, além da matéria-prima e das ferramentas, é preciso ter um artesão. Segundo o estudante de medicina, esse foi o papel maior de Antônio Amaral: revolucionar a relação professor-aluno em Cocal dos Alves. O rapaz lembra que, no começo da OBMEP, a dificuldade maior era o transporte e a alimentação dos estudantes. Ele mesmo morava a 13 quilômetros da escola onde aconteciam as aulas preparatórias e não tinha condições de voltar para casa para almoçar:

 

– O professor simplesmente nos levava para almoçar e descansar na casa dele, não ganhando absolutamente nada em troca. Era impressionante a fé que tinha em nós. Desde 2005 é assim: o empenho dele é constante, acreditando sempre na possibilidade de se encontrar novos talentos e desenvolver os já existentes – acredita Rodolfo. – Eu poderia escrever 100 páginas descrevendo o quão fundamental foi esse professor para as nossas vidas. Mas basta dizer que serei eternamente grato por ele ter sempre batalhado para que nos destacássemos dentre milhões de alunos de todo o país, mesmo em condições tão adversas.

 

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Alunos premiados com medalha de ouro na OBMEP 2012

 

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Preparação de alunos para a prova da 2ª fase da OBMEP

 

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Antonio Amaral no Impa