Entrevista com o prof. Marcelo Viana

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Prof. Marcelo Viana, Abertura do I Simpósio Nacional da Formação do Professor de Matemática, Brasília, 2013.

  •  Pode nos falar sobre sua formação.

Eu fiz a graduação na Universidade do Porto, em Portugal, onde morava na época. Apesar dos conselhos bem intencionados de que “quem gosta de Matemática faz Engenharia” eu fiz bacharelado em Matemática mesmo. E nunca me arrependi.

  • Sabemos que sua graduação foi em Portugal e por que decidiu seguir sua carreira no Brasil?

Ao final da graduação eu queria fazer o doutorado e isso implicava sair de Portugal. Surgiu a oportunidade de vir para o IMPA, por intermédio do professor Jacob Palis, a quem conheci em Coimbra. Melhor ainda, eu ganhei bolsa do CNPq, apesar de não ter qualquer vínculo profissional com o Brasil. Isso foi determinante para a minha vinda. Na época a minha intenção era regressar. Mas ao final do doutorado, encantado com o IMPA e o Rio de Janeiro, eu simplesmente fui ficando.

  •     Em que momento da sua vida profissional começou a pensar e se preocupar com ensino de matemática na educação básica?

Eu sempre considerei a questão do ensino de Matemática como parte integrante do trabalho de um pesquisador e sempre admirei a iniciativa fantástica que é o PAPMEM-Programa de Aperfeiçoamento de Professores do Ensino Médio, liderado pelo professor Elon Lima. Então, eu queria contribuir mas não sabia bem qual seria a melhor maneira de fazê-lo. O professor Elon não sabe mas eu considerei seriamente me oferecer para participar no PAPMEM. Mas, conhecendo a excelência dos professores que já colaboravam com o programa eu não tinha certeza de poder somar muita coisa.

  • Que leitura você faz do atual ensino da matemática na educação básica brasileira?

O ensino de matemática no Brasil acumula as dificuldades inerentes ao tema, que afetam muitos outros países, com os problemas de um país continental e que luta para encontrar a via para o desenvolvimento sócio-econômico. Má formação dos professores, baixo reconhecimento profissional dos mesmos, subdesenvolvimento e pobreza, valorização inadequada da educação pelas famílias etc. Tudo isso torna o desafio de elevar o patamar de qualidade de nosso ensino um desafio de proporções assustadoras, que só poderá ser encarado pelos esforços coordenados de todos os atores: poder público, escola e universidade, professores e pesquisadores e, de modo igualmente importante, famílias.

  • O que o Brasil pode aprender com o ensino da matemática de outros países? O que poderíamos adaptar ao nosso “modo de ensinar matemática” para termos melhores resultados?

Eu creio que há duas grandes lições que saltam aos olhos. A primeira é que os países que possuem os melhores sistemas de ensino são aqueles em que a formação e a atuação do professor da escola básica são mais valorizadas.  Com exigência e rigor, acompanhados de premiação ao mérito, sem medo de discriminar em favor dos melhores profissionais. A segunda é que os países em que os alunos aprendem mais Matemática são aqueles cujas culturas e sociedades mais valorizam a educação e o trabalho. Falta saber o que queremos fazer com essas lições.

  • O que o Brasil pode ensinar aos demais países em relação a matemática e seu ensino?

O desenvolvimento acadêmico e científico no Brasil é extremamente recente. Basta dizer que a primeira universidade brasileira foi fundada 400 anos após as primeiras universidades  das Américas! No entanto, o avanço alcançado em algumas áreas, tais como a pós-graduação ou as Olimpíadas, mostram o quanto pode ser alcançado em pouco tempo quando se combina políticas coerentes de Estado com esforço e rigor, aliados à criatividade e flexibilidade do brasileiro.

  • O Brasil tem se destacado em pesquisas em Matemática de nível superior, mas ao mesmo tempo ainda ocupa a 57ª posição no ranking mundial de desempenho em Matemática, entre os 65 países que participam do PISA. Na sua opinião, como podemos mudar essa situação?

Como disse anteriormente, só será possível alterar este quadro vergonhoso, de dimensão continental, com um esforço concentrado de todas as partes relevantes, atacando todas as mazelas do nosso ensino ao mesmo tempo em várias frentes.

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Aula Inaugural do PROFMAT, IMPA, 2011.
  • Como foi a criação do PROFMAT? O que inspirou esta criação?

O principal inspirador foi o PAPMEM, sem dúvida. Aliás, o professor Elon Lima sugeriu durante muitos anos que o IMPA deveria criar um programa de Mestrado Profissional para professores. Mas essa ideia nunca avançou. Então, quando o professor Hilário Alencar e eu assumimos na Sociedade Brasileira de Matemática (SBM) começamos a falar sobre criar um mestrado profissional na SBM. Para nós era muito claro que teria que ser um programa inovador, muito diferente do que existia até então, em grande escala e com abrangência verdadeiramente nacional. Mas não sabíamos como começar.

Então, no dia 23 de março de 2010, eu tive uma audiência com o professor Jorge Guimarães, presidente da CAPES, para tratar do apoio da CAPES ao Projeto Klein da SBM. O professor Jorge tinha acabado de chegar de uma reunião de alto nível em que havia sido discutido o Mestrado Profissional (por coincidência, o professor Hilário também estava nessa reunião). Então ele me lançou o desafio de criarmos um Mestrado Profissional para professores de Matemática. Saí da audiência dizendo “professor Jorge, esse mestrado vai acontecer”, liguei imediatamente para o professor Hilário, alguns dias depois ele recebeu um telefonema sobre o assunto do professor Celso Costa, Diretor de Ensino a Distância da CAPES e de então para cá não paramos de trabalhar no PROFMAT…

  • Quais os benefícios que o PROFMAT já trouxe para a Educação Básica?

Eu creio que o benefício mais evidente foi ter aberto aos professores de Matemática da Escola Básica um caminho para a sua capacitação e valorização profissional que, simplesmente, não existia antes. Temos inúmeros depoimentos de alunos e egressos do programa o quanto essa via aberta pelo PROFMAT contribuiu para a melhoria da auto-estima do professor.

A isso se soma, evidentemente, a formação de qualidade que o PROFMAT oferece a seus alunos, por meio das melhores instituições universitárias e de pesquisa do país. O PROFMAT é o maior programa de pós-graduação do Brasil, com capacidade para admitir cerca de 1.500 alunos a cada ano. E esses alunos têm a oportunidade de estudar com os melhores professores universitários do país, usando livros de texto de qualidade, selecionados mediante chamada pública aos melhores autores brasileiros. E também temos inúmeros depoimentos sobre o modo como a formação proporcionada pelo PROFMAT está mudando a prática didática dos seus alunos. O meu favorito é:

Os alunos consideram que o embasamento teórico dos conteúdos adquirido no PROFMAT já está tendo um efeito significativo em suas práticas de sala de aula. Eles declaram que antes não tinham muita noção das coisas que ensinavam; que conheciam os conteúdos, mas não suas abordagens adequadas; que sabiam resolver problemas, mas não sabiam o porquê das coisas. Eles afirmam que o aprofundamento teórico adquirido permite tirar dúvidas dos alunos adequadamente. Um deles declara: Antes eu apenas ensinava as coisas, agora quando os alunos perguntam, eu sei responder.

Relatório da visita ao polo UNIFAP – Macapá
30/setembro/2011 e 01/outubro/2011

Além disso, o PROFMAT abriu um canal de comunicação entre a escola e a universidade que também não existia e que é fundamental para o país, uma vez que o ensino de Matemática diz respeito às duas comunidades e nunca poderá ser atacada por uma sem a outra.

Eu poderia continuar falando, mas prefiro passar a palavra para os dois estudos realizados em torno do PROFMAT e que se encontram integralmente disponíveis na página do programa (http://www.profmat-sbm.org.br):

  • Avaliação Suplementar Externa do Programa de Mestrado Profissional em Matemática em Rede Nacional(avaliação realizada pela CAPES)
  • Quem é o professor de Matemática da Escola Básica? Um perfil qualitativo-quantitativo extraído dos Exames de Acesso ao PROFMAT (estudo levado a cabo pela SBM).

 

  • Quais são as expectativas em relação aos novos mestres formados através do PROFMAT?

Nós temos muitas expectativas. Para começar, esperamos que eles beneficiem realmente como professores da formação proporcionada pelo PROFMAT e que isso se traduza em melhores resultados para seus alunos. Igualmente importante, que os egressos do PROFMAT ajam como agentes multiplicadores no esforço para melhorar globalmente o ensino de Matemática em todo o país.

  • Em quais ações a SBM tem se envolvido para contribuir com a melhoria do ensino da matemática no Brasil?

A primeira grande iniciativa foi e continua sendo o Projeto Klein, do qual se originaram as demais. O Projeto Klein se desdobra atualmente em 3 subprojetos: Artigos Klein, Livro Companheiro do Professor de Matemática e Projeto do Material Digital, o qual visa a produção de material em suportes digitais para uso nas salas de aula. Outra iniciativa importante é o lançamento dos ciclos de Simpósios da Formação do Professor de Matemática da Escola Básica. O primeiro Simpósio Nacional foi realizado em Brasília, em setembro de 2013, e será um evento bienal realizado em colaboração com a Associação Nacional dos Professores de Matemática na Educação Básica – ANPMat. Além disso, realizaremos Simpósios igualmente bienais em cada uma das 5 grandes regiões brasileiras: o primeiro será na Universidade Estadual de Ponta Grossa, PR de 16 a 18 de maio deste ano. Claro que a própria criação da ANPMat também se insere nessa linha.

  • Como surgiu a ideia da criação da ANPMat?

Ela partiu de duas preocupações complementares. Por um lado, nós consideramos fundamental manter e aprofundar os contatos com a comunidade da Educação Básica e, particularmente, com os egressos do PROFMAT. Por outro, temos plena consciência de que a SBM é uma pequena organização, com recursos humanos e técnicos limitados, a qual precisa estabelecer parcerias para alcançar os seus objetivos. No que tange às questões da formação do professor não temos dúvida de que o parceiro ideal é a própria comunidade organizada dos professores na Educação Básica que a ANPMat visa representar.

Também considerávamos muito importante que a ANPMat nascesse com a legitimidade para assumir essa representação. Poderíamos ter criado a ANPMat como entidade subordinada à SBM, por “decreto” do presidente da sociedade. Mas preferimos que a ANPMat fosse criada por meio de moção aprovada pelos participantes do primeiro Simpósio Nacional, na sua esmagadora maioria professores da Educação Básica.

  • Qual o objetivo da criação da ANPMat?

Em poucas palavras: que a SBM possa ter um parceiro para todas as iniciativas ligadas ao ensino de Matemática. Um parceiro motivado, com os pés nas salas de aula do país real, com autonomia e com capacidade e iniciativa para expandir muito mais a capacidade de atuação da SBM.

  • Com relação ao ensino básico, o que se vislumbra com essa associação para promover melhorias, em curto prazo, no ensino da matemática?

A ANPMat nasceu com muita legitimidade e um escopo de atuação muito amplo. Ela pode contar com todo o apoio da SBM.  A bola é sua. O momento é agora.

  • Já sabemos que o Brasil vai sediar o ICM em 2018, os professores da educação básica poderão participar deste congresso?

Com certeza! O Congresso Internacional de Matemáticos (em inglês, International Congress of Mathematicians – ICM) é muitas coisas ao mesmo tempo. Ele é o evento mais importante do mundo no universo da pesquisa em Matemática. Ele é o momento em que são revelados os ganhadores dos prêmios mais prestigiosos da Matemática. E ele é um instrumento poderoso para a divulgação da Matemática na sociedade e entre os nossos jovens.

Especialmente este último aspecto não poderá nunca ser realizado sem a colaboração ativa dos nossos professores. A SBM já está realizando uma campanha de divulgação do ICM 2018 nas escolas, por meio do Concurso para seleção da Mascote do Congresso. Vejam http://icm2018.sbm.org.br. Conclamo todos os professores e, especialmente, os associados da ANPMat a colaborarem com o concurso, divulgando em suas escolas e entre seus alunos e, ainda mais, concorrendo!

  • Qual a mensagem que gostaria de deixar para os professores da educação básica?

O Brasil tem uma dívida histórica com a Escola Básica e é hora de começar a pagar. A dívida não é apenas do governo, é de todos nós.