Entrevista com o prof. Hilário Alencar

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Prof. Hilário Alencar (UFAL). Fonte: <http://goo.gl/oDMkEi>

  • Quando o senhor descobriu a vocação pela matemática?

Desde criança sempre gostei muito de Matemática. Por outro lado, durante os anos em que estudei as séries da Educação Básica também pensava em cursar Engenharia Elétrica, Medicina (nas áreas de psiquiatria e cirurgia) e Direito, mas nas séries finais do Ensino Médio a Matemática ficou forte dentro de mim. Ela era o grande desafio na minha cabeça.

  • Sabemos que seus pais eram professores, isso influenciou sua escolha de se tornar um professor?

Certamente, minha escolha profissional teve influência de meus pais. Além disso, tive a sorte de ter excelentes professores de Matemática na minha época de estudante de Educação Básica.

  • Como o senhor avalia o ensino da matemática no Brasil na educação básica?

O ensino, em geral, em nossas escolas está deixando muito a desejar. Para começar, a maioria do nosso alunado estuda apenas um turno, enquanto em outros países fica o dia inteiro na escola. É preciso lembrar que a criança não aprende apenas na escola. Em casa, com a família, ela aprende costumes, regras, maneiras de se expressar, comportamento em grupo, como reagir a situações de todos os tipos, etc. Em casa ela também aprende com a televisão e a Internet. Aprende também com os amigos, fora de casa. Deste modo, a responsabilidade da escola é atualmente até menor do que todos estes outros ambientes que propiciam aprendizagem. Em suma, só melhoraremos nosso desempenho no setor educacional quando priorizarmos a educação com políticas de Estado para este setor.

  • Como o senhor explica a discrepância que existe entre o Brasil de destaque internacional privilegiado, fruto das pesquisas científicas e o Brasil de destaque internacional negativo, como por exemplo, do Pisa na educação básica? Quais seriam as principais medidas a serem adotadas para mudar essa situação?

Inicialmente, ressalto que a atividade de pesquisa em matemática no Brasil tem pouco mais de meio século de existência. Nesse curto período, o país alcançou grande destaque internacional e construiu uma comunidade muito respeitada no exterior pela excelente qualidade de sua pesquisa. Porém, a comunidade precisa crescer muito mais. No triênio 2010-2012, por exemplo, a pós-graduação brasileira formou 486 doutores, mas isso é pouco para as necessidades do país, algo como oito vezes menos que países desenvolvidos. Por outro lado, temos na Educação Básica professores mal preparados, mal reconhecidos e desmotivados que dão origem a alunos com formação extremamente deficiente. Resultado: isto conduz o país a ocupar os últimos lugares nas avaliações internacionais como, por exemplo, no Programme for International Student Assessment (PISA). É claro que todos os educadores, em particular, os professores de Matemática, estão preocupados e buscando soluções para melhorar a formação da juventude brasileira. Ademais, alguns pontos são necessários para melhoria da nossa Educação Básica. Dentre eles destacamos:

a)   A necessidade de que o ensino público em nossas escolas seja em tempo integral;

b)   A necessidade de ofertar cursos lato sensu ou stricto sensu para os docentes;

c)   A necessidade de uma carreira nacional que seja meritória para os professores, incluindo uma adequada remuneração, implantada em colaboração com os municípios, estados e o governo federal;

d)   A necessidade de que a política pública da área da Educação seja política de Estado e não política de Governo;

e)   A necessidade de perseguir as metas do Plano Nacional de Educação (PNE), aprovadas recentemente;

f)   A necessidade de rever os ambientes escolares garantindo que as escolas tenham água tratada, banheiros limpos, dependências agradáveis ao ensino e a aprendizagem, biblioteca, laboratórios, segurança, bem como ambiente para esportes.

  • A cada dia, os cursos de licenciatura de Matemática formam menos professores. Que fatores o senhor atribui a tal situação?

Certamente o precário atendimento de alguns itens acima, por exemplo, os itens (c), (d) e (f).

  • Quais são os maiores desafios quando falamos da formação do professor de matemática?

Inicialmente, devido à dimensão territorial do nosso país e as suas assimetrias regionais, reestruturar os cursos de licenciatura. Simultaneamente ao desafio citado, atrair o jovem para cursar uma licenciatura.

  • O PROFMAT foi uma grande iniciativa visando o aprimoramento da formação profissional de professores da educação básica e já está em seu 4° ano. A procura pelo processo seletivo aumenta a cada ano. Muitos professores que jamais poderiam fazer um mestrado por causa da carga horária de trabalho já conseguem realizar esse sonho. O que mais o senhor espera que aconteça a partir desta iniciativa?

Em 2010, quando Marcelo Viana e eu lideramos a criação do PROFMAT, tínhamos em mente que tal programa, em médio prazo, causaria um impacto substantivo na formação matemática do professor em todo o território nacional. Este é o foco que sempre tivemos em mente. Além disso, esperávamos que tal impacto pudesse ser traduzido em mudanças significativas dos indicadores de avaliação dos alunos das escolas destes mestres que concluíram o PROFMAT. Felizmente, as mudanças estão acontecendo e esperamos cada vez mais ampliar e consolidar tais mudanças.

 

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Aula Inaugural do PROFMAT, IMPA, 2011.

 

  • Você acha que os professores do Ensino Superior e os professores do Ensino Básico estão se interagindo mais com a criação de projetos deste tipo? Na sua opinião, o que podemos fazer para aumentar essa interação?

A criação de programas como a Olimpíada Brasileira de Matemática (OBM), Programa de Aperfeiçoamento para Professores de Matemática do Ensino Médio (PAPMEM/IMPA), Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP/IMPA), Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID/CAPES), Projeto Klein de Matemática em Português, coordenado no Brasil pela SBM, e o Mestrado Profissional em Matemática em Rede Nacional (PROFMAT/SBM) provocaram, e ainda provocam, uma substancial interação entre a comunidade matemática e os professores de Educação Básica.

  • Que tipo de cooperação as universidades podem oferecer às escolas da educação básica para ajudar a ampliar o conhecimento da matemática?

A ampliação de programas como os citados acima, por exemplo.

Responderei a esta pergunta citando o documento mencionado acima: “trabalho de análise ora encerrado aponta para um cenário, país afora, marcado por histórias de superação pessoal e pro­fissional, de enfrentamento de dificuldades diversas, de elevação da autoestima de cen­tenas de professores e professoras de Matemática nos mais distantes rincões deste país. Trata-se de uma história que precisa ser contada e colocada em evidência, não apenas para servir de elemento de motivação para os inúmeros profissionais que, atualmente, conduzem o programa, mas também para os atores que estão implantando novos pro­gramas de mestrados profissionais à luz da experiência do PROFMAT. Nessa perspectiva, e com o objetivo de desvelar a trajetória desta política pública de amplo alcance, acredi­tamos que seria pertinente a realização de um estudo qualitativo, microssociológico, de aproximação de casos memoráveis de professores de Matemática, que tiveram suas his­tórias positivamente afetadas pela iniciativa, em todo o país. Professores que se apoiam na formação provida pelo PROFMAT para reinventar sua prática docente, reavaliar seu papel social e para se recolocar como profissionais fundamentais que são”.

  • Ao longo de 2012 e 2013, a CAPES realizou uma avaliação externa suplementar do PROFMAT, em que a Comissão Avaliadora foi presidida pelo Prof. José Fernandes de Lima, Presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE). O que você achou do relatório final? Gostaria de destacar algum item avaliado? E depois dessa avaliação externa, alguma mudança foi feita com o objetivo de melhoria para o programa?

O relatório final da Avaliação Suplementar Externa do PROFMAT é um excelente documento que traz cristalinamente a análise do Programa por vários ângulos. Existem frases no texto que mostram a trajetória atual do PROFMAT, por exemplo, “Em função do grande êxito obtido e da experiência adquirida, recomenda-se que o modelo seja adotado em outras áreas do conhecimento, guardadas as adequações necessárias”. Por outro lado, todas as recomendações para a melhoria do Programa foram longamente discutidas e implantadas logo após a publicação do relatório. Aproveito esta entrevista para destacar o relatório final do Plano Nacional de Pós-Graduação (PNPG/CAPES) 2011-2020, o qual cita o PROFMAT na página 74: “No caso da Educação Básica, a contribuição recente mais notável da pós-graduação consiste na oferta de cursos de mestrado profissional em ensino de áreas específicas na forma de redes compostas por grande número de instituições, distribuídas em todo o território nacional. Iniciado pelo curso de mestrado em Matemática (PROFMAT), este conjunto de cursos inclui as áreas de Letras e Física, além de outras, em processo de organização”.

  • Sabemos de alguns prêmios e títulos importantes conquistados ao longo de sua carreira. Você poderia comentar sobre os mais recentes?  E qual considera mais importante?

Todas as homenagens que eu recebi são importantes, pois elas estão inseridas em um contexto que leva em consideração o tempo, o lugar, minha história de vida e das pessoas que estavam em minha volta.

  • Quais são seus próximos projetos? O que mais em sua carreira o senhor pretende conquistar?

Um projeto que eu tenho sempre em mente é a melhoria da educação do meu estado das Alagoas. Até o momento só obtive êxito parcial.

  • Este ano o senhor completa 60 anos. Qual seria o maior presente que poderia receber?

O maior presente seria eu ter a certeza de que continuaria sendo uma pessoa feliz.