Entrevista com o prof. Elon Lima

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Prof. Elon Lages Lima, pesquisador titular do IMPA, membro titular da Academia Brasileira de Ciências.

 

Quem é Elon Lages Lima? Nos conte um pouco sobre o início da sua vida.

Eu sou alagoano, nasci em Maceió e vivi lá até os 17 anos. Meu pai era um pequeno comerciante e minha mãe era dona de casa. Tive a sorte de estudar num colégio, que não era famoso de jeito nenhum, mas tinha em seu corpo docente professores muito bons, embora não reconhecidos na época. Em particular, o professor de matemática era uma pessoa extraordinária que me influenciou muito, a mim e a outros jovens que se tornaram matemáticos, inclusive é um feito notável que este professor teve cinco dos seus alunos que fizeram o doutorado em matemática. Em Maceió só tinha uma escola de nível superior que era Faculdade de Direito, então aos 17 anos eu fui para Fortaleza estudar na Escola de Cadetes, porque não tinha escola superior em Maceió, mas só fiquei um ano, saí e não queria voltar para Maceió. Precisava ganhar a vida e comecei a ganhar a vida dando aula, fazendo a única coisa que eu poderia pensar em fazer, que era dar aula. Então eu comecei a dar aula com 18 anos, em Fortaleza.

Por que e quando você se interessou pela Matemática? E nos fale sobre a sua formação, a trajetória de sua carreira e por que decidiu vir para o Rio de Janeiro.

Eu tenho uma irmã, dois anos mais velha do que eu, que era exímia estudante, em tudo que ela fazia ela era melhor, embora fosse de uma modéstia incrível e em particular era uma excelente aluna de matemática e foi aluna desse mesmo professor meu. E ela me inspirou porque ela dava aula para as colegas dela lá em casa e eu assistia aquelas aulas.  Então quando chegava a minha vez de estudar aquelas coisas no colégio, eu já tinha aprendido em casa. Mas isso não me faria de maneira nenhuma um matemático. Mas quando eu comecei a dar aula em Fortaleza aos 18 anos, eu dava aula em um curso chamado Curso de Admissão, que era um curso que precedia o ginásio, então eu dava aula de Português, Ciências e Matemática e eu estava seriamente interessado em seguir uma carreira literária. Eu queria ser escritor, poeta, jornalista, dramaturgo, qualquer coisa que envolvesse escrever. Mas aí aconteceu uma coisa curiosa, o professor de matemática desse colégio tinha passado em um concurso para funcionário do Banco do Brasil e largou todas as turmas de matemática. O diretor que me conhecia, que foi meu professor da Escola de Cadetes, perguntou se eu queria dar aula e eu respondi que queria. Então eu comecei a dar aulas, mas como eu não era formado em nada e não tinha nem sequer concluído o segundo grau,   ele assinava por mim todos os papéis. Dei aula do primeiro ao quarto ano ginasiais de matemática e então eu tive que estudar matemática para dar aula. Estudar aquela matéria do colégio era fácil pra mim porque eu não precisava estudar, pois bastava lembrar das aulas do Colégio Batista Alagoano, onde estudei. Depois disso, eu fiz um concurso pra professor do Colégio Estadual do Ceará, passei em primeiro lugar e fiquei professor do colégio estadual, sem ter terminado ainda o segundo grau. Quando eles descobriram isso, queriam me botar pra fora, mas daí o diretor do Colégio Estadual do Ceará foi muito legal. Ele disse que no edital do concurso não dizia explicitamente que o candidato deveria ser formado e por isso eu continuei, até que surgiu a oportunidade de ganhar uma bolsa de estudos para vir estudar no Rio de Janeiro, então eu vim. Ganhei uma bolsa de estudos em uma circunstância puramente acidental, quer dizer, de pura sorte, eventual. Eu conhecia um rapaz que estudava aqui no Rio, que estudava em Física, no CBPF, Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, que é uma instituição que até hoje existe e é muito bem conceituada, então ele falou para os professores daqui do CBPF, em particular o César Lattes, que tinha um rapaz de Maceió que podia ser aproveitado e então César Lattes me escreveu uma carta convidando para ter uma bolsa de estudos do CNPq. Então eu vim para o Rio, larguei tudo lá e vim ganhar um salário mínimo aqui. Daqui me apresentaram o diretor da Fundação Rockefeller e como eu falava francês e inglês muito bem, esse diretor da Fundação Rockefeller conversou longamente comigo e se valeu da opinião dos professores daqui.  Naquela época não existia IMPA, era só o CBPF, então ele me ofereceu uma bolsa para estudar em Chicago. Eu fui para Chicago, fiquei três anos e meio e me obrigaram a fazer o mestrado, pois eu não tinha mestrado. Então fiz um mestrado e foi um exame muito duro, mas tudo bem, não tive problema. Depois fiz o doutorado e quando terminei o doutorado eu voltei para o Rio.  Naquela época já existia o IMPA que tinha dois professores, Maurício Peixoto e Leopoldo Nachbin e eu me tornei o terceiro professor do IMPA com doutorado e aí fiz minha carreira aqui.

Por que começou a escrever livros?

Como eu disse a você, minha intenção desde menino era ser escritor. Escrevi um bocado de bobagens, tipo poesia e contos. Eu tinha um caderno enorme com as besteiras que eu escrevi. Quando terminei meu doutorado, reli tudo, vi que eram coisas de segunda classe e aí rasguei e joguei fora. Então eu resolvi escrever sobre matemática, porque eu sempre tive a preocupação de ajudar a criar no Brasil um grupo de pessoas que fossem bem competentes em Matemática. E então eu comecei a escrever livros porque achava e ainda acho que livros são a melhor forma de você desenvolver e divulgar o conhecimento.  Escrevi até agora 41 livros. Não só escrevi esses livros, mas criei dentro do IMPA duas coleções e ajudei a criar uma terceira. Primeiro foi o Projeto Euclides que eu ficava importunando a vida dos meus colegas para que eles escrevessem também e resultou que foi uma coleção bem sucedida. Depois eu criei outra que era a Coleção Matemática Universitária, que era para livros de um nível menor do que os livros do Projeto Euclides, que eram livros só de graduação. Para ambas, eu contribuí, também para poder manter em funcionamento e então escrevi um montão de livros. Escrevi também para a Sociedade Brasileira de Matemática (SBM), que fui um dos fundadores. Na ata de criação da SBM eu sou a segunda assinatura. Criamos a Revista do Professor de Matemática também e no começo eu escrevia para todos os números da revista, pelo menos um artigo. Depois, eu tinha tanta coisa escrita, que eu resolvi mudar de nome, porque senão ficava chato, então eu inventei uns nomes horríveis aí, como “Zoroastras Amburjas Filho”. Escrevi os nomes mais estapafúrdios e esse Filho é porque toda pessoa que tem o nome estapafúrdio tem o nome do pai. Então eu peguei a mania de escrever. Agora cansei, não estou escrevendo mais já faz uns três anos.

Qual foi o primeiro livro que você publicou?

O primeiro livro que eu publiquei na época, naquela época não era propriamente livro, eram notas miografadas, mas encadernadas, chamada “Coleção Notas de Matemática”, dirigida pelo Professor Leopoldo Nachbin. O primeiro livro que eu escrevi foi “Topologia dos Espaços Métricos” e a razão para isso foi que quando eu estava no último ano da faculdade, a Professora Maria Laura Mozinho, recém falecida, era professora titular, com uma cadeira na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Rio de Janeiro, me convidou para o ano seguinte ao que me formei, me formei em dezembro e em março eu comecei a dar aula lá, para dar um curso de Introdução a Topologia e então eu escolhi dar um curso de Introdução aos Espaços Métricos. Como eu não queria seguir nenhum livro existente, escrevi o meu próprio livro. Então esse foi o primeiro livro que escrevi.

E para o Ensino Básico, qual foi o primeiro?

Nunca escrevi nenhum livro para o Ensino Básico, eu escrevi vários para os professores do Ensino Básico. A razão pela qual eu nunca escrevi nenhum livro para o Ensino Básico é que eu não me sinto competente para isso, porque há muitos anos, desde 1951, que eu não dou aulas no Ensino Básico. Eu dei aula no Ensino Básico por muitos anos em Fortaleza, mas parei de dar aula, então não me sinto competente. Mas sinto competente para criticar as coisas erradas, agora para fazer a certa é muito mais difícil do que criticar o errado. Eu tenho experiência e essa experiência me autoriza a apontar o erro básico que está ocorrendo no ensino brasileiro que é o seguinte: O professor que vai dar aula no Ensino Básico não adota e não se baseia em nada que ele tenha estudado na faculdade. Ele não estuda na faculdade a matéria que ele vai ensinar. Na graduação você estuda Análise, Equações Diferenciais, Variáveis Complexas, mas tudo isso sem nenhuma relação com o que você vai ensinar. Então quando você começa a sua vida de professor do Ensino Básico e vai dar aulas, você só tem uma fonte de referência, que são os livros que você vai adotar. Esses livros que você vai adotar, por sua vez, se baseiam na experiência do autor, que é a mesma que você teve. Então ele se baseia nos livros que os antecederam e a coisa se perpetua, só que vai havendo um desgaste. Esse desgaste natural faz com que o nível vai ficando cada vez mais baixo. Não aparece nada de novo, nada de melhor e o nível vai só abaixando. Precisa haver uma mudança radical. Mas como é que vai haver essa mudança radical? É muito difícil, eu não sei nenhuma solução.

Como surgiu o PAPMEM e o que o motivou a realizar o projeto? Os objetivos iniciais foram alcançados? E hoje estes objetivos se ampliaram?

O PAPMEM, Programa de Aperfeiçoamento de Professores do Ensino Médio, surgiu em 1990, por aí, a partir de um interesse. Primeiro, essa minha ideia que está na minha cabeça a vida toda, desde que comecei a dar aula em Fortaleza, até hoje essa ideia de que precisa haver qualquer coisa para melhorar o nível dos professores do Ensino Médio. E segundo, precisa haver uma oportunidade de fazer isso. E a oportunidade surgiu com uma instituição chamada Vitae, que é uma espécie de fundação, mas essa fundação não existe mais. A Vitae tem um programa multinacional inclusive, tem a Vitae no Brasil, na Argentina, no Chile, pelo menos nesses três lugares, é um programa, entre outras coisas, de formação de professores, de melhoria do ensino. Então a Vitae se aproximou das pessoas interessadas, principalmente de gente da Revista do Professor de Matemática e propôs a criação de uma atividade nesse sentido, de melhorar o nível dos professores do Ensino Médio. Então nós começamos esse programa. A ideia da Vitae era fazer esse programa em várias cidades do Brasil, operar e financiar este programa durante uns três, no máximo quatro anos e durantes esses anos ia aos poucos passando essa atividade para a responsabilidade dos estados. Acontece que os estados não atenderam a este apelo da Vitae, porque a organização básica de ensino estadual se fundamenta em bases políticas. O secretário da educação não é a pessoa que se destaca pelos seus dotes de organização do ensino, então não deu certo. Essa tentativa de ir aos poucos transferindo a responsabilidade deste programa para os estados, fracassou. A Vitae então abandonou esse programa. Anos depois veio um diretor da CAPES, professor do Rio Grande do Sul, que era uma pessoa muito interessada em melhorar as coisas e então se aproximou de nós e propôs o renascimento do programa. O programa teve um ano só que não funcionou, depois dos quatro anos da Vitae e então ele propôs que o mesmo fosse financiado pela CAPES. Mas aí, tivemos que adaptar o nosso programa para fazer no Brasil todo e atribuir aos estados as responsabilidades de grupos que iriam fazer o programa em cada estado. E também começou a fazer para Física, Química e Biologia. Depois de um ano, houve uma reunião aqui no IMPA com os representantes dos estados que estavam realizando esse programa com a CAPES e então eu fiquei realmente desapontado com o resultado, porque cada um que se manifestava dizendo como estava fazendo o programa em seu estado, me deixava mais triste ainda, mais desapontado. Por exemplo, uma das coisas que eu fiz na minha vida, foi convocar um grupo de oito professores que tivessem dispostos a estudar, minuciosamente, os compêndios de matemática mais adotados no Brasil. Então nós selecionamos 12 compêndios de matemática do primeiro, segundo e terceiro ano do ensino médio e dividimos os professores em grupo. Cada grupo de dois estudava uma ou duas coleções desses livros. E nós nos reuníamos duas vezes por mês aqui no Rio, discutíamos os livros que estavam sendo examinados e cada um desses grupos redigiu um resumo de observações, críticas, acompanhadas de sugestões, conselhos e explicações sobre o conteúdo desses livros. Publicamos um livro, chama-se Exame de Textos e a SBM publicou este livro. Então nós tínhamos uns livros que nós examinamos e estavam na pior qualidade de todos os livros que examinamos. Pois bem, este livro é um livro básico para vários desses programas. Os programas que a CAPES financiava nos estados, pelo menos em três estados adotavam como texto básico dos cursos, esse livro ou esses livros que eram os piores que já tínhamos visto. Pois bem, então a CAPES fez isso durante alguns anos, depois desistiu e nós passamos a nos apoiar pela FINEP e aconteceu uma coisa interessante. A Rede Nacional de Pesquisa se abrigou aqui no IMPA, no começo da sua existência e com isso a gente conseguiu fazer uma simbiose interessante. A Rede Nacional de Pesquisa precisava de um experimento para determinar a efetividade do seu projeto e nós precisávamos de um instrumento de divulgar as nossas aulas para todo o Brasil. Então a partir daí, dessa simbiose entre a Rede Nacional de Pesquisa e o IMPA, e a SBM na verdade, mas baseado no IMPA, pois a Rede Nacional de Pesquisa vivia aqui dentro, a gente passou a dar as aulas via internet, que foi uma coisa muito boa e ainda hoje está sendo assim. Então começou o PAPMEM. O programa tinha a vantagem de ter os livros redigidos e surgiu então “A Matemática do Ensino Médio”, volumes 1, 2 e 3. Eu tive a sorte imensa de encontrar três colegas extraordinariamente bem dotados por este trabalho, com um entusiasmo incrível, que foram o Eduardo Wagner, o Paulo Cezar Carvalho e o Augusto Cezar Morgado, que infelizmente faleceu. E então esse foi o começo do PAPMEM.

Muitos dos PROFMATIANOS e os outros professores do Brasil todo assistiram as vídeo aulas do Prof. Morgado e se encantaram pela sua forma de ensinar, o seu carisma. Sabemos que ele era um grande amigo seu, pode nos falar um pouco sobre ele?

O Morgado era um ser extraordinário, porque ele dedicava a vida dele realmente ao ensino. O Morgado a isso associava a capacidade fantástica de se comunicar com a audiência dele. Ele nunca fez curso de educação matemática e nunca estudou teoria da Educação Matemática. Ele simplesmente sabia aquilo que ia ensinar, procurava e pesquisava muito sobre a melhor maneira de ensinar aquilo. Por exemplo, ele me ensinou, entre outras coisas, Análise Combinatória. Eu tinha um ponto de vista que eu tive uma formação aqui no IMPA, quando cheguei aqui, com o Professor Leopoldo Nachbin, formação da Escola Bourbaki, que era a matemática abstrata da forma mais abstrata que você pode imaginar, com o objetivo matemático alto. Então Análise Combinatória pra mim era o estudo de funções. Por exemplo, arranjos, combinações, funções de um conjunto finito em outro conjunto finito. Quantas funções injetivas existem se X tem n elementos e Y tem m elementos, quantas funções injetivas de X em Y existem? Então coisas desse tipo. Todos os problemas de Análise Combinatória eu encarava deste ponto de vista. Mas este ponto de vista pode ser bom para o Bourbaki, mas para o ensino secundário não é.  Então o Morgado me ensinou como é que a gente faz isso para os estudantes. Ensinou a mim não, ensinou a todo mundo. Mas eu avidamente interessei por isso e via a maneira dele abordar o programa. Eu achei maravilhoso. O programa de Matemática Financeira também, etc. Quer dizer, ele era uma pessoa realmente fantástica.

Quais ações poderiam ser feitas pelos órgãos competentes para garantir uma maior procura dos nossos jovens para os nossos cursos de licenciatura, principalmente Matemática, Química e Física?

Bom, a primeira coisa é do ponto de vista pragmático. O pai quando sabe que o filho vai estudar matemática, ele fica desolado: “Por que você não faz Engenharia?” Por exemplo, o meu pai. Quando eu terminei o doutorado nos Estados Unidos e voltei para Maceió, meu pai me disse: “Meu filho, agora que você satisfez o seu capricho de estudar matemática, já tem o doutorado em Matemática, agora vai estudar Engenharia”. Ele queria que eu fosse engenheiro. E o curioso é que quando a minha filha, não a mais velha que fez Engenharia, a segunda mais velha, que foi estudar Biologia, eu disse: “Por que você não foi estudar Medicina?” O meu raciocínio era o seguinte, se você estuda Medicina você pode ser médica, se gostar do que fez, ou pode se dedicar à pesquisa em áreas de Biologia ligada a Medicina. Você tem uma opção a mais e se estuda só Biologia, você não tem outra opção. Ela não só fez Biologia, mas ela se desviou da Biologia para Antropologia, fez o doutorado na Universidade de Cambridge na Inglaterra e hoje é professora em Belo Horizonte, já há muitos anos e é professora titular da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Pois então, essa é uma razão inicial.  Agora os pais fazem isso também, me colocando em uma posição superior intelectual, não pelos motivos que eu aleguei, mas por um motivo prático, objetivo e pragmático: “Professor, professor ganha uma mixaria. O que adianta você estudar para ser professor de matemática ou de qualquer outra coisa, não vale a pena.” Então essa é a razão principal. Agora, a segunda razão é que mesmo sem ter um salário alto… os países onde a matemática é ensinada melhor, os salários não são tão altos não e sim onde o prestígio social do professor é elevado. Mas isso aí é complicado, pois depende do grau de desenvolvimento social e político de um povo. O problema do ensino está intrinsicamente ligado com o problema do nível social e intelectual do povo, da concepção dele como cidadão.

O que você pensa sobre parte dos professores de matemática da educação básica do nosso país não serem formados em matemática?

    Eu acho que isso reflete a dificuldade que tem essas pessoas de quererem achar um lugar onde ela possa ter a sua formação. Por exemplo, lamento dizer, porque embora eu apregoe que as pessoas devem fazer faculdade de matemática, eu fui treinado e tenho a maior reverência por um professor de matemática que não era formado em matemática. Aliás, que eu saiba, ele não era formado em nada e foi o melhor professor de matemática que eu já vi até hoje. Já andei por tudo quanto é lugar, onde aprendi com várias pessoas, grandes matemáticos com os quais eu tive a sorte de conviver. Aprendi muito matemática, mas me ensinar, só uma pessoa me ensinou, foi o Professor Benedito de Moraes em Maceió.

Vemos que vários projetos estão sendo criados focados na melhoria de ensino do Brasil. O que você acha que ainda podemos fazer para contribuir com a Educação Básica?

Você está fazendo essa pergunta, num dia em que antes de vir para cá, eu assisti um noticiário na televisão e vi uma escola, acho que no interior de Goiás, onde os alunos tinham aula numa casa de farinha. Aliás, foi no interior do Piauí, eu acho. Tem dinheiro para construir a escola, tem, mas a construção da escola está parada há dois anos. Então os alunos ficam na escola numa casa de farinha. Você sabe o que é uma casa de farinha? É uma choupana que não tem paredes. Uma sala de aula é separada da outra por um tabique. Não tem sala de aula. Então quer dizer, não existe a consciência dos administradores de verificar que uma escola que está sendo construída há dois anos e está parada a construção. É um crime! A mesma coisa com a saúde, eu podia estar falando sobre saúde. Então quer dizer, é o país todo.

Você tem conhecimento do sistema educacional de outros países. Na sua opinião, o que seria um “exemplo a seguir” em termos de educação, em especial em relação ao ensino da matemática? Por quê?

Ah, tem vários exemplos. É só você olhar a classificação dos países nesses estudos que são feitos internacionalmente. A Finlândia, por exemplo, tem um sistema de educação fantástico. A Finlândia é um exemplo muito especial, pois tem uma população muito pequena e tem uma tradição cultural muito antiga e é um povo que realmente é notável em todos os aspectos. Japão, por exemplo, que tem uma população muito grande para um país territorialmente pequeno, o ensino da Matemática é muito bem organizado. Inclusive porque no Japão, todo professor de ensino público, o ensino lá é sempre público, é de tempo integral. Ele chega no colégio para dar aula de manhã cedo e sai no fim da tarde e fica o dia todo lá. Não vai quebrar um galho aqui ou ali dando aula. Então, essas pessoas ficam lá dentro da escola fazendo o quê? Discutindo entre si, métodos de ensino, o que vão fazer na próxima aula, os vários professores todos de acordo. Aliás, no Japão existe um programa oficial para todo o país. No Brasil não tem programa oficial para o ensino. Você está em um estado, você tem um programa, em outro estado tem outro programa bem diferente. Singapura, por exemplo, que é um país pequenininho, também tem um ensino de matemática muito bom. O Brasil não pode imitar esses países, porque as circunstâncias são completamente diferentes. Mas tem alguns exemplos em que a pessoa pode realmente almejar seguir.

Na sua opinião, por que é tão difícil cativar os alunos para a Matemática?

Cativar!? Ah, cada um tem os seus gostos. É uma luta pela preferência. Na escola você tem algumas matérias, Matemática, Gramática, Língua Portuguesa, História, Geografia, Ciências, então depende muito das qualidades do professor para fazer com que os alunos escolham aquela matéria, em parte. Em parte depende da matéria, também. Tem alunos que se deixam fascinar pelos problemas, em questões de resolver problemas, outros gostam mais de decorar, os afluentes do Rio Amazonas, coisas desse tipo.

Além disso, a matemática tem uma coisa que realmente requer certos… bom, deixa eu explicar para você como eu olho o ensino da Matemática.  Você tem dois níveis. Tem vários níveis, mas vamos fixar em dois. Você tem o primeiro nível de que para aprender você precisa ter cuidado, atenção, asseio e organização, não precisa ter uma capacidade muito grande de raciocínio e de imaginação. Outro nível é que você está aprendendo as operações, fazer contas com frações, fazer as coisas mais simples, que depende unicamente da sua atenção, do seu esforço e do seu espírito de organização, porque a matemática difere nesse sentido, da História, por exemplo. Você pode não saber nada de capitanias hereditárias e pode saber muito bem sobre a proclamação da república. Agora na matemática, se você não souber somar, você não vai aprender a multiplicar nunca, se você não sabe multiplicar, você não vai aprender a dividir nunca. Outra coisa é a dependência do que veio antes. Se você cometer um erro aqui, às vezes esse erro desaparece em uma parte que não é essencial, mas de um modo geral, esse erro vai se perpetuar e o seu resultado vai ser completamente errado. Na História, se você comete o erro de quem descobriu o Brasil foi Cristóvão Colombo, não faz diferença nenhuma para o resto da história do Brasil. A Princesa Izabel continua sendo a Princesa Izabel. Quer dizer, um erro da data, por exemplo, se o Brasil foi descoberto no dia 22 de abril ou no dia 01 de março. A matemática não tem isso, dois mais dois são quatro e acabou. Essa exigência da pessoa ser precisa é o que torna para alguns a matemática difícil. Porém eu acredito que exercer essa qualidade de organização, esse espírito de organização, de cuidado e de atenção, você não está só aprendendo matemática, mas está melhorando a sua vida de um modo geral, então é uma coisa útil. Isso é que torna difícil para alguns, o aprendizado em Matemática.

Para você, o que é ser um bom professor?

O que é ser um bom professor? Ah, isso aí eu sei. Só que é difícil de fazer, mais fácil de dizer. Primeiro você tem que ter entusiasmo pela matéria que está ensinando. Tem que gostar, amar, adorar, admirar e ser fanático por aquilo. Tem que gostar muito daquilo que você está ensinando, senão você não vai conseguir transmitir esse pouco de capacidade de trabalho para os seus alunos. Segundo, você tem que conhecer a matéria, um pouco mais do que você está ensinando, porque você tem uma visão do alto. E terceiro, você tem que gostar de ensinar. Você tem que ter prazer em ver os seus alunos se desenvolverem. Gostar de ensinar implica em você se interessar pelos problemas dos alunos. Se colocar no lugar dele, ver quais são as dificuldades que ele tem e fazer o possível para dirimir essas dificuldades.

São essas três condições para ser um bom professor, muito simples: gostar da matéria, conhecer a matéria e querer ensinar a matéria. Só isso!

Poderia deixar uma mensagem para os professores da educação básica?

Ler matemática, principalmente os livros publicados pela SBM.